Confesso que gostaria de ter escrito sobre esse assunto há alguns dias, mas infelizmente o cursinho consome boa parte do meu tempo, fazendo com que eu tenha apenas um (ou até mesmo nenhum) dia livre por semana.
Mas depois do surto da Gripe A, as aulas foram suspensas por um período, fazendo com que eu tenha mais tempo para colocar a matéria em dia e, conseqüentemente, tenha algumas horas livres.
O que me impulsionou a querer escrever sobre o assunto é o fato de que eu tentei discuti-lo com várias pessoas, e ao que parece ninguém parecia entender o que eu estava falando. Embora isso talvez tenha acontecido porque é realmente complicado argumentar em apenas 140 caracteres, via Twitter.
A coisa toda começou quando alguns twitteiros brasileiros propuseram que no dia 29 de julho as pessoas trocassem suas fotos no Twitter por fotos em que usassem apenas lingerie.
Gostaria de adicionar aqui a definição de lingerie: segundo a Wikipédia em língua portuguesa, “lingeries são roupas íntimas
femininas e que, durante a história da humanidade, foram e são alvo de diversos estudos, dos seus aspectos”. Na Wikipédia em língua inglesa consta: “lingerie is a term for fashionable and alluring
women's undergarments”. Reparem no uso da palavra “
femininas” em português e “
women” (mulher) em inglês. O que se pode concluir claramente aqui é que os criadores do movimento quiseram que as
mulheres postassem fotos e não os homens. Do contrário seria “underwear day”. Mesmo assim, alguns homens – incluindo os criadores do movimento – trocaram seus avatares por fotos usando cuecas. Ou eles não sabiam que o termo “lingerie” se aplica apenas às roupas de baixo femininas, ou... bom, deixa pra lá.
Cheguei, então, ao ponto que eu queria: homens fazem uma campanha para que mulheres postem fotos apenas de calcinha e sutiã na internet. Para deleite masculino, obviamente. Eu não sei qual é a pior parte: se é algumas mulheres o fazerem, se é algumas pessoas não enxergarem o machismo presente na situação ou se são os argumentos das pessoas à favor dessa palhaçada.
Vamos por partes: desde quando não existe sexismo no fato de uma horda de machos iniciar uma campanha para que mulheres postem fotos de seus peitos e bundas para que eles, os machos, as vejam como um pedaço de bife para o qual podem simplesmente bater punheta? Desde quando a mulher ser objetificada a ponto de ser vista como apenas um pedaço de carne não é machista?
E então eles usam o argumento de que “ninguém está forçando elas a isso”. Oras, ninguém está forçando diretamente. Mas a mentalidade da sociedade é essa: da mulher objetificada. Pra mim, uma mulher que acha que necessita usar pouquíssima roupa e expor seu corpo para ganhar alguma atenção masculina é claramente uma mulher que já teve a mente tomada por essa idéia de que é isso que a mulher é: peito e bunda.
Alguns confundem o ponto de vista feminista (que condena a exposição do corpo dessa maneira, pois objetifica a mulher) com o ponto de vista moralista ou puritano (o de que sexo é uma coisa errada e impura e que a mulher que mostra o corpo é uma “vagabunda”). Oras, o feminismo também condena essa posição! Algumas pessoas têm a mente tão pequena que não conseguem entender que não é porque dois pontos de vista
condenam a mesma coisa, que condenam pelo mesmo motivo.
A mentalidade de alguns é tão pequena, mas tão pequena, que estes acham que as feministas, ao considerarem errado o movimento do lingerie day, consideram as participantes “vagabundas”, da mesma maneira que um moralista ou fanático religioso o faria, e aí acusam elas, as feministas, de estarem praticando o machismo.
Ainda têm a pachorra de dizer que postar as fotos semi-nuas indica que as mulheres hoje têm liberdade sexual para tanto. Veja bem, eles defendem que as mulheres devem usar sua liberdade sexual para tirar fotos e postar, apenas com o intuito de agradar a horda de machos. E dizem que isso não é machista, o que é pior.
Que fique bem claro: nenhuma feminista em sã consciência defende que a mulher não tem o direito da liberdade sexual nem usaria o termo “vagabunda” para se referir a uma mulher que mostra o corpo. Esse é o ponto de vista moralista ou puritano, e não o feminista – que como eu citei, algumas pessoas não parecem ter a capacidade mental para diferenciar.
Aos olhos do feminismo, a mulher tem direito absoluto à própria sexualidade e à liberdade sexual. Mas não deve ser vista, para tal, como um objeto. É inegável que esse modelo de “mulher fazendo X e Y para agradar a macharada” está muito ligado à pornografia contemporânea. Porque a pornografia é claramente e indiscutivelmente quase que 100% voltada ao público masculino. Em suma, prevalece a noção de que a pornografia e o erotismo servem para agradar aos homens. E se incentivar mulheres a, por vontade própria, mostrarem seus corpos para tal propósito não é machismo, eu realmente não sei o que isso seria. É a noção do corpo feminino sendo visto apenas como diversão masculina.
Ao perceberem que ficaram sem saída, alguns defensores do movimento afirmam que “é só uma brincadeira”. Oras, ser uma brincadeira não faz com que a história deixe de ser machista, e aí eu deixo uma questão em aberto: se brincadeiras racistas ou xenófobas, por exemplo, não são toleradas, porque as machistas devem ser?
O que as pessoas de mente patriarcal e misógina querem é que nos calemos e passemos a aceitar tais coisas, sem reclamar. Porque afinal, o papel da mulher na nossa sociedade é apenas calar a boca e mostrar a bunda pra macharada, não é mesmo?